segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

TEATRO EM BALANÇO

(foto divulgação)


Final de ano, época de descansar e fazer balanço da jornada que passou.

O ano de 2008 foi bastante produtivo para os profissionais de teatro em Curitiba. Os teatros foram equipados, novos espaços inaugurados e o início de um movimento de grupo promete ganhar espaço. Na pesquisa também tivemos ganhos, editais favoreceram o trabalho de grupo. Que assim continue, que o teatro cresça e ganhe espaço.

Tivemos grandes espetáculos. Grandes promessas de uma cena mais estruturada para 2009.

Acabo de concluir o curso de Bacharelado em artes cênicas da FAP - Faculdade de Artes do Paraná. Acabo de concluir uma jornada bastante vitoriosa. Fiz grandes amigos, realizei grandes trabalhos e renovei o repertório. Esse era um grande sonho que agora se completa. E então sou um ex-aluno da FAP e só tenho coisas boas pra dizer da instituição. Aproveitei demais o curso, aproveitei demais tudo o que o corpo docente podia oferecer. Existem grandes profissionais lecionando na Faculdade, professores completamente comprometidos com a educação e com a arte. Claro, os problemas existem como em qualquer outra instituição pública ou privada. No final o saldo é bastante positivo.

Nesse último final de semana, recebi em minha casa Olga Nenevê e Eduardo Giacomini, membros e fundadores da Obragem Teatro e Cia. Generosos, o casal me concedeu uma deliciosa entrevista que resultará em um texto que publicarei em breve. Sou fã incondicional da Obragem, foi a primeira companhia que me identifiquei quando cheguei em Curitiba a quatro anos atras para iniciar a FAP. Sempre fomos amigos. Agora, depois de terminar a graduação, tive o prazer de entrevistá-los formalmente. Foi uma delícia, são uns queridos e super talentosos.

É bom poder fazer o que se gosta e estar sempre perto de pessoas amigas.

É bom poder acordar todo dia e me lembrar que o teatro é a minha profissão.

E, sobretudo, é bom poder também dizer isso a vocês.

O Blog Figurino e Cena continuará no próximo ano apresentando críticas, entrevistas, opiniões e notícias.

Obrigado pelas visitas. Voltem sempre!

Paulo Vinícius.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

DUCHAMP: O REIVENTOR DA ARTE

(Duchamp fotografado ao lado de alguns projetos em 1912 – foto divulgação)




Este texto surgiu como condição necessária para concluir a disciplina de Crítica Teatral[1] da FAP – Faculdade de Artes do Paraná. Trata-se do relato de pesquisa da obra do artista Marcel Duchamp (1892 – 1968), a partir do estímulo recebido após a leitura do ensaio A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica do pensador alemão Walter Benjamin (1892 – 1940). O mais curioso é que o que era condição necessária se transformou em condição essencial não só para concluir a disciplina, mas para entender o momento histórico em que a obra de arte também passou a ser sinônimo de tradução conceitual de uma idéia. Uma prazerosa aventura de pesquisa e revelações.
Para uma pessoa como eu, que já estava cansado de ouvir falar em Duchamp, mas que ainda não tinha se dedicado a mergulhar no solo fértil de descobertas duchampianas, a principal conseqüência da produção deste texto é a constatação de como esse gênio foi tão importante para a ressurreição da arte no cenário mundial. Uma descoberta dessas, mesmo que tardia, vale a pena ser comemorada novamente.


1- UM VISIONÁRIO SOLITÁRIO
Divisor de águas na história da arte, Marcel Duchamp, foi importantíssimo para a reviravolta que ocorreu na maneira de se relacionar com a obra de arte no século passado. Visionário, ele talvez não imaginasse a total influência que exerceria para a arte contemporânea do nosso século. Provocador, ele atribuiu ao observador a síntese que faltava para caracterizar o estado inacabado da obra (obra aberta)[1], que só seria completado com a interpretação dos seus observadores.
Duchamp foi o que podemos chamar de precursor da instalação nas artes plásticas. Nele podemos identificar todo o principio da Performance e da Pop - art. Através das suas criações, a história da arte tomou novos rumos e desencadeou uma série de novos “ismos” nos períodos artísticos. O surrealismo foi um deles. A maneira pela qual a arte passaria a ser vista do futuro tem sua raiz em Duchamp. Com ele podemos também identificar o principio da arte conceitual e, sobretudo, como disse anteriormente, da arte contemporânea.
Os comentadores dizem que o movimento inaugurado por Duchamp foi realizado, na época, solitariamente pelo artista que, apesar de não produzir uma grande quantidade de obras ao longo de sua carreira, sua produção, fez despertar uma série de seguidores na posteridade.

2- O DADAÍSMO.
Segundo H. W. Janson e Anthony F. Janson, o genocídio organizado durante a primeira guerra mundial contribuiu para o desespero que levou Duchamp a colaborar, como protesto, no movimento artístico denominado Dadá ou Dadaísmo. Sua intenção era deixar claro ao publico que todos os valores, morais ou estéticos, tinham perdido seu valor em conseqüência da primeira guerra mundial. O Dadaísmo pregava a antiarte e o absurdo aparente.
A princípio, o movimento não envolveu nenhuma estética específica, mas talvez a expressão Dadá tenha surgido do poema aleatório e do ready-made de Duchamp. Sua tendência extravagante, baseada no acaso, serviu de base para o surgimento de inúmeros outros movimentos artísticos do século XX, entre eles o Surrealismo, a Art Conceitual, a Pop Art e o Expressionismo Abstrato.
Graça Proença, escreveu que “os dadaístas propunham que a criação artística se libertasse das amarras do pensamento racionalista e sugeriram que ela fosse apenas o resultado do automatismo psíquico, selecionando e combinando elementos ao acaso” (PROENÇA, pág. 165). Dessa forma, o que os dadaístas buscavam não era apenas mais uma atitude plástica, desenvolvida artesanalmente pela técnica do artista, mas uma postura crítica e satírica aos valores tradicionais, questionados após a primeira grande guerra.
Dentro desse contexto artístico e social que as principais provocações de Marcel Duchamp se estruturaram. O artista, que já tinha provocado, com suas pinturas, a arte impressionista e cubista, agora estava reestruturando aquilo que nós chamaríamos de arte quase sessenta anos depois. A arte, após as primeiras provocações de Duchamp passou, a longo tempo, a ser vista também como idéia e intenção do artista ao se relacionar com o publico e não apenas como seu trabalho técnico e artesanal. A arte, depois de Duchamp nunca mais deixou de trabalhar com os conceitos.



(Nu descendo escada, pintura de Duchamp onde
incomodou os cubistas tradicionais da época)

3- A ARTE NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL.
A Revolução Industrial provoca uma ruptura nas artes plásticas no século XIX. A ampliação e a transformação dos centros urbanos impõem uma nova forma de conceber a realidade, tornando-se ultrapassada a antiga visão imposta pelo Feudalismo e que o Renascimento não conseguira eliminar inteiramente. A máquina foi suplantando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos.
As técnicas de reprodução mecânica que surgiram a partir de então, o advento da fotografia e a própria máquina, colocaram o artista em “cheque-mate” exigindo dele uma resposta. Essa análise já foi executada e pensada por Walter Benjamin que discute as novas potencialidades artísticas, essencialmente numa dimensão política, decorrentes da reprodutibilidade técnica. Antes da Revolução a experiência da obra de arte era condicionada pela sua aura, isto é, pela distância e reverência que cada obra de arte, na medida em que é única, impõe ao observador. Benjamin constata que “no início do século XX, a reprodução técnica tinha atingido um nível tal que começara a tornar objeto seu, não só a totalidade das obras de arte provenientes de épocas anteriores, e a submeter os seus efeitos às modificações mais profundas, como também a conquistar o seu próprio lugar entre os procedimentos artísticos” (BENJAMIN, pág. 06). .O aparecimento e o desenvolvimento de novas formas de arte, em que deixa de fazer sentido a distinção entre obra original e cópia, traduz-se no fim dessa aura, o que liberta a arte para novas possibilidades, tornando o seu acesso mais democrático.
Nessa época, nos escreve Ferreira Gullar, Duchamp e Bransusi foram visitar o salão da aviação e ao serem surpreendidos pela beleza das hélices ali expostas ouve-se um dos dois dizer: “A arte acabou!” Era Duchamp dizendo a Brancusi que dificilmente algum artista faria obra melhor. Duchamp com certeza acreditava que nem ele pudesse fazer melhor. Aí, de certo, tinha brotado a idéia de Duchamp de, mais tarde, mandar para o Salão dos Independentes de Nova York (1917) um urinol, comprado em uma loja de construção, como obra de arte. Claro, sua obra foi rejeitada pelos curadores e foi Duchamp mesmo que tratou de divulgar o ocorrido escrevendo um artigo publicado numa revista da época. Esse fato lhe trouxe muita repercussão.

No universo da cultura e das artes, com suas antevisões do futuro, Duchamp é uma espécie de rito de passagem: ponto em que a era mecânica industrial sai do seu apogeu, dando início à era eletrônica, pós-industrial. È por isso também que a Art-pop, na sua relação ao desmesurado crescimento dos meios e produtos da cultura de massas, não foi senão a explicitação de uma atividade estética inseparável da crítica que já estava implícita em Duchamp. (SANTAELLA, Pág. 144)


Assim, “à medida que a indústria povoa o mundo de objetos feitos (não-natureza), a própria obra de arte deixa de ser representação para se tornar também objeto” (GULLAR, pág. 73), ou seja, a obra de arte se torna tão impessoal quanto um produto da máquina e tão objetiva quanto uma mercadoria. Dessa forma, Duchamp, com seus questionamentos, dá novo sentido a arte e a coloca em outro patamar até então desapercebidos pelos artistas da época.

4- O REDY-MADE.
O redy-made de Duchamp propõe um lugar intermediário entre a vida e a arte. Duchamp foi o responsável pela atitude que transporta um elemento da vida cotidiana, a priori não reconhecido como artístico, para o campo das artes.
O principio do rady-made fundamenta uma das vertentes mais importantes da arte conceitual, ou seja, sua criação não pressupõe uma atividade manual (artesanal) do artista. O que esta em cheque é um saber mental do artista ao se deter sobre sua obra. Trata-se de uma reflexão crítica sobre o cotidiano onde o limite é todo o mundo circundante.

Ao tirar um objeto comum do seu contexto usual e levá-lo à categoria de arte, ele anunciava ao mundo: a habilidade manual do artista já não basta para definir uma obra. Na nova realidade, tomada pelas mais diferentes possibilidades de reprodução, o pensamento do autor por trás do seu trabalho – enfim, a sua idéia – se torna o mais importante. (...) A escolha do objeto que sofria esse deslocamento partia do artista, e isso ganhava valor” (KATO, pág. 38).


Duchamp com sua obra desmistifica a figura do artista, pois “o rady-made, como objeto industrial sem qualquer apelo estético, torna-se paradigma de uma operação na qual a autoria é compartilhada” (FREIRE, pág. 35). Nesse contexto, a obra de arte, que passa a existir somente conceitualmente, é realizada duas vezes. Primeiro pelo artista e depois pelo observador. Se o observador participa da criação, pois apreende segundo suas próprias referências aquilo que o artista desejou mostrar, os diferentes contextos de exibição são também fundamentais para a atividade criativa do público.
O rady-made, ao desconfigurar lugares comuns, deixa de ser um objeto comum e industrial ao ser levado para exposição em lugares institucionais como galerias e museus. Trata-se da interferência do objeto no espaço e vice-versa. A partir daí, qualquer objeto industrial, interferido, ou não, pelo artista e colocado a exposição, pode estimular diversas reflexões críticas no publico visitante ou simplesmente ser admirado pelas suas linhas, formas ou contornos que não seriam percebidos no seu lugar cotidiano.

O artista torna-se um manipulador de signos, mais do que um produtor de objetos de arte, e o espectador, um ativo leitor de mensagens mais do que um contemplador estético ou um consumidor do espetáculo. È por isso que o procedimento do redy-made duchampiano, a fotomontagem e a apropriação do pop são significativos ao apontar para o papel da arte como signo social, misturado a outros signos num sistema de produção de valor, poder e prestígio (FREIRE, pág. 38).



(Fonte, redy-made enviando e rejeitado, em 1917, para a
mostra dos artistas independentes de Nova York – Foto divulgação)

Entre os principais redy-mades duchampianos estão A fonte, um urinol comprado em loja de construção e enviado a mostra Independents Art Exhibition em Nova York no ano de 1917. Quem assinou foi um pseudônimo de Duchamp denominado R. Mutt e, como o artista já esperava, a obra foi recusada na mostra.



(Roda de bicicleta, obra de 1915 – foto divulgação)


Outra das mais conhecidas obras foi Roda de bicicleta, talvez o primeiro redy-made feito em seu atelier em 1913. A original foi jogada fora pela irmã de Duchamp como uma velharia qualquer. A que conhecemos é uma segunda versão feita em Nova York depois de deixar Paris em 1915.

Duchamp foi o primeiro a se dar conta das repercussões que os objetos industrialmente produzidos, quer dizer, objetos-sígnos, traziam para a arte. Nas suas enigmáticas contravenções, ele estava ironicamente evidenciando que, assim como qualquer imagem tem um caráter de signo porque se trata obviamente de uma forma de representação, qualquer objeto também tem uma natureza sígnica ou quase-sígnica que lhe é própria e que é ditada pela sua funcionalidade. (SANTAELLA, Pág. 144)

A invenção do redy-made hoje pode soar apenas como mais uma provocação de um artista plástico criativo, mas entendendo o que foi essa postura no contexto cultural do início do século XX pode-se concordar que é tarefa para gênio.


(Porta-garrafas, junto com a 1ª. Versão da Roda, está
entre os dois primeiros redy-mades criados em 1913)


CONCLUSÃO.
O principal legado de Marcel Duchamp para o futuro da arte foi a maneira como nós, observadores das obras, nos relacionamos com os objetos de arte a partir de então. Essa constatação vale tanto para as obras das artes plásticas quanto para os filmes, os espetáculos teatrais e também para a música.
A afirmação acima, em outras palavras, refere-se ao “lugar” da arte na relação do observador com a obra de arte, ou seja, a arte verdadeiramente não está nem no objeto contemplado e nem no observador que o admira. O lugar da arte esta no espaço intermediário entre essa relação, isto é, no contado entre observador e a obra. Um quadro isolado, sem a contemplação de um único observador é apenas um objeto qualquer e somente quando ele é admirado é que se torna arte. O mesmo vale para um espetáculo, um filme e todas as demais artes que só se completam quando existe tal relação. A arte passou então, mais do que tudo, a ser vista como conceitual.
A importância do observador, dessa forma, é imprescindível para a existência da arte e sua evolução. Na arte contemporânea, todas as manifestações artísticas se desenvolvem sobre esse princípio. A função da arte é tida hoje mais como transformadora da realidade, do que por mera admiração estética e contemplativa.
A arte contemporânea quer provocar, quer transformar o estado cotidiano das coisas e relações do mundo. Os artistas inventam códigos a serem desvendados pelo publico, inventam estímulos para provocar os sentidos da platéia e apresentam esses processos com a intenção de questionar, muitas vezes, até mesmo a função da arte no presente momento.
O público e os artistas, por um lado, podem considerar todas as novas propostas apresentadas na contemporaneidade, podem identificar diversos conceitos novos e muitas inovações artísticas, porém, por outro lado, devemos ter sempre bem esclarecido que a raiz de todas essas manifestações artísticas provém da ruptura instaurada por Marcel Duchamp na história da arte.
O próprio Duchamp, apesar de gênio e visionário, talvez não tivesse imaginado o desdobramento que seus conceitos e provocações pudessem ter alcançado no percurso da arte até aqui. Duchamp reinventou a roda e salvou a arte da sua morte.

BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In: Textos escolhidos (coleção Os pensadores) São Paulo: Abril Cultural, 1980.

FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006

GULLAR, Ferreira. Argumentação contra a morte da arte. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1996.
JANSON, H. W. e JANSON, Anthony F. Iniciação à história da arte. São Paulo: Marins Fontes, 2007.

KATO, Gisele. O homem que reinventou a roda. In: Revista Bravo. Edição no. 131 São Paulo: Abril Cultural, 2008.

PROENÇA, Graça. História da arte. São Paulo: Editora Ática, 2006.

SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2004.


[1] Este parênteses é um grifo meu.
*FAP – Faculdade de Artes do Paraná.
[1] Disciplina oferecida aos alunos do 4º. Ano de Bacharelado em artes cênicas (interpretação Teatral) em 2008. Tal disciplina foi ministrada pela professora e chefe do departamento de teatro Lilian Fleury.


terça-feira, 18 de novembro de 2008

TEATRO CONTEMPORÂNEO

(ABSTRATOS - foto de François Sumi)


Já disse, em outra oportunidade, que não tenho preconceito contra linguagens teatrais. Consigo gostar tanto de um espetáculo de “teatrão” bem feito quanto de um espetáculo de teatro físico também bem feito. O importante é a forma, o acabamento e o discurso. A relação com o público e sua aceitação.
Porém, há algo de instigador no teatro contemporâneo que me chama muito a atenção. Modismo no teatro a parte, mas as infinitas possibilidades de se trabalhar com o teatro hoje fazem com que o contemporâneo ganhe cada vez mais adeptos.
Dentro do contemporâneo, a dramaturgia pode se estabelecer por qualquer outro viés que não seja, necessariamente, o texto pronto, escrito anteriormente da montagem e da produção. A dramaturgia pode partir do corpo, de imagens, de sensações e por várias outras opções. Por sua vez, o discurso também pode não ser linear e contínuo. Pode-se ver quebras, pausas, silêncios e talvez esperar que a platéia se comunique com as mensagens do espetáculo via sensações e não apenas pelo entendimento racional.
Quanto às referências, são muitas, ou melhor, são todas. Tudo que faz parte do mundo e em todas as áreas pode ser material criativo para o ator e o teatro contemporâneo. As linguagens se misturam, o teatro se apropria de várias outras artes se tornando um discurso híbrido. Trás a música, a dança, o vídeo, a fotografia, enfim todas as artes cênicas e visuais.
Talvez um dos principais objetivos do teatro contemporâneo nem seja o que se conta, mas como se conta. A forma é superior ao conteúdo e, por sua vez, o conteúdo é digerido pelo publico que, cada vez mais, procura pelo canal de comunicação com os espetáculos. Existem processos colaborativos, criações coletivas, solos, parcerias entre profissionais de várias artes, enfim, uma mistura de processos e escolhas que tornam a opção de ver teatro uma prática cada vez mais constante entre o público curitibano.
Em Curitiba, destaco o excelente trabalho desenvolvido pelas companhias Obragem – Teatro e Cia, Cia Senhas de Teatro, Companhia Brasileira e, em outra instância, a Vigor Mortis, entre outras. Há em cada espetáculo dessas companhias sempre algum novo mistério e código a serem desvendados. Cada novo espetáculo é uma nova aventura pra dentro das possibilidades criativas de cada companhia citada. Quem ainda não viu, está perdendo tempo.
Descubram.
Viagem!
Talvez a gente se encontre.

domingo, 16 de novembro de 2008

ABSTRATOS


RELATO DE UM PROCESSO

Abstratos foi minha prova pública de conclusão do curso de bacharelado em artes cênicas pela FAP – Faculdade de Artes do Paraná. É interessante visualizar agora, depois de concluído, como se desenrolou tal processo de construção teatral.
Minha atuação se deu em três níveis diferentes e, por outro lado, complementares no espetáculo. Criei e desenvolvi o cenário, o figurino e fazia parte também do elenco de três formandos em interpretação.
Na interpretação, tinha ao meu lado duas excelentes atrizes: Camilla La Souza e Verônica Rodrigues. Ambos, tínhamos todos os interesses e preocupações normais de qualquer aluno formando que se filia a algum projeto de um diretor.
De início, não gostamos do texto, mas resolvemos unir nossas forças e aceitar a parceria com o também formando em direção teatral André Wormsbecker. No decorrer do processo, continuamos a nos derrapar entre as insatisfações com o texto. Mesmo assim, lutamos e continuamos a nos dedicar a tão difícil missão: representar bem e satisfazer principalmente aos nossos próprios desafios como atores.
Nos colocamos a serviço do texto e da direção. Palpitamos, sugerimos, afirmamos e negamos algumas escolhas. Sobrevivemos e, ao que tudo parece, saímos vitoriosos e mais experientes.
Quanto a criação artística e visual do espetáculo, ou seja, o cenário e figurino, propus que o teatro se apropriasse da década de 60, época em que o texto foi escrito, através do contraste entre o preto e o branco. Sobreposições de formas, linhas e estampas estavam já no projeto inicial da arte. Fui contestado, no bom sentido, e alertado pelos professores orientadores do projeto para cuidar dos excessos que tal escolha poderiam apresentar. Porém, minha intuição dizia que eu deveria investir nessa linguagem e opção estética para o visual do espetáculo. Sempre aprovado pelo amigo diretor André, desapeguei de algumas idéias, renovei outras, aceitei sugestões de algumas outras idéias, mas o principio da criação permaneceu inalterado.
Parece que deu certo, gostaram do resultado. Eu também gostei. Comemorei com toda a equipe as nossas vitórias que felizmente foram maiores que nossos fracassos.
Teatro também se faz no coletivo, em equipe e essa é uma exigência natural para que essa arte possa se concretizar, portanto deve ser estabelecida sempre em prol do bem comunitário. Esse exercício nos valeu até mais que os resultados. Vencemos. Entre dores e prazeres, nós vencemos nosso desafio. Abstratos era inicialmente exemplo do teatro clássico brasileiro, quebramos um pouco essa formatação, estabelecemos uma nova relação e nos encontramos com novas possibilidades de discurso.
Obrigado a equipe de Abstratos e ao convite do diretor André, assim como a parceria com as atrizes citadas. Obrigado aos orientadores Chico Nogueira, Luciana Barone e Márcio Mattana, ambos atores/diretores e professores da FAP. Obrigado aos queridos parceiros de turma e ao demais publico, parentes e amigos, que nos prestigiaram. Valeu!



Ficha técnica:
Direção: ANDRÉ WORMSBECKER
Elenco: CAMILLA LA SOUZA, PAULO VINÍCIUS e VERÔNICA RODRIGUES.
Cenário e figurino: PAULO VINÍCIUS
Cabelo e maquiagem: ANDREA TRISTÃO
Iluminação: AUGUSTHO RIBEIRO
Projeções em vídeo: ANDRÉ WORMSBECKER
Participações especiais: LEONARDO TELLES E AMANDA BARANOSKI

CONVERSINHA AFIADA




Como disse Clarice Lispector: “Voltei. Fui existindo”.
Fiquei pensando no que poderia dizer a respeito da moda e o que realmente interessa a vocês leitores. No fundo da vontade, encontrei a motivação para fazê-lo.
Vou falar sobre comportamento.
Qual a maneira pela qual escolhemos representar o nosso papel de ator-social, ou seja, como nos apresentamos no grande espetáculo público que é a própria vida, cheia das suas relações sociais, de discursos que proferimos mesmo inconscientemente no decorrer do dia-a-dia? Espero também compreender melhor com tudo isso a maneira pela qual exerço o meu insignificante papel de apresentador de mim mesmo perante o mundo.
Acredito, sinceramente, que nosso principal veículo de comunicação é o nosso próprio corpo. Essa comunicação visual, que se dá pela imagem e presença do nosso corpo, fala antes e mais alto do que qualquer palavra ou som que proferimos. A presença do nosso corpo fala e a maneira pela qual ele se movimenta também. Dessa forma, o que estamos colocando sobre o nosso corpo? Como estamos vestindo nosso discurso por cores, modelos, tecidos, (des)combinações e escolhas que fazemos? Como?
Conheci um corpo que se movimentava muito e se cobria de cores e modelos extravagantes. Esse, sem dúvida, nunca me passou qualquer estado de insegurança e fragilidade. Ele se colocava de forma autoritária aos meus olhos.
Educação também está inteiramente relacionada à moda. Ser mal educado é estar totalmente fora de moda. Esses são muitos e estão por toda parte. Se for um deles, tranque-se em casa, não saia nem na calçada. Ninguém é obrigado.
Se quiserem saber mesmo a minha opinião sobre moda, posso acrescentar que frescura, por exemplo, também está super fora de moda. Gritinhos, frescurinhas, comportamentos de qualquer pessoa fresca e mimada, não há quem tolere mais na nossa sociedade. Ou melhor, talvez ainda exista alguns representantes da nossa espécie que se dão à paciência de agüentar e incentivar pessoas assim a proliferarem e cruzarem o nosso caminho. Sejamos práticos, quem achar bonito dar showzinhos e pitis por aí, não me cumprimentem quando se encontrarem comigo, não tenho paciência com vocês. No máximo, dou um conselho: comprem um livro, leiam; vale tudo, até Paulo Coelho. Porém se ocupem, façam algo de útil por vocês mesmos.
No mais, branco e preto estão em alta, mas sejam criativos, por favor, deixem que a personalidade de cada um seja realmente o comandante das vossas escolhas. Vale quebrar com uma peça de qualquer outra cor contrastante e aberta, vale quebrar o sofisticado com o rústico, quebrar inclusive a tendência e não usar. Só de propósito. Fazer greve de uniforme. Seja diferente, seja alguém que tenha algo realmente interessante a dizer para as outras pessoas. Seja alguém que faça a diferença, para melhor, na vida das pessoas que encontrar pelo caminho.
Esteja na moda. Sempre. Afinal de contas, leveza, gentileza, espontaneidade e originalidade sempre estiveram na moda. Seja feliz. Isso é estar na moda.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

MATTANA: TEATRO COM O CORPO E A ALMA


(Márcio Mattana en cena de Recreio Pingue-pongue -

Foto de Ale Haro)



Márcio Mattana (43) está entre os grandes nomes do teatro curitibano, pudera, é um dos profissionais mais respeitados no meio teatral da cidade. Tive o prazer de entrevistá-lo num bate papo que durou cerca uma hora e meia em minha casa. A entrevista, que me valeu como uma aula de história do teatro paranaense, me foi concedida na véspera do seu aniversário e que, por isso, acredito eu, lhe caiu como uma retrospectiva de toda a sua carreira.
Mattana, como é conhecido no meio, parece, de tão apaixonado pela profissão, respirar teatro. Quando fala, há certo brilho no olhar que somente os apaixonados refletem. É empolgado e, ao mesmo tempo, concentrado.
Entre todas as funções que já exerceu dentro do teatro, é hoje também professor de interpretação e direção na Faculdade de Artes do Paraná – FAP, oficio que concilia harmoniosamente com seu trabalho de ator e diretor teatral. Como toda pessoa que cultiva cada capítulo de sua história, Mattana tem muitas lembranças e curiosidades para nos contar.

Carreira

Antes de 1984, quando iniciou a faculdade de Letras em Cascavel, interior do Paraná, Márcio Mattana não imaginava os novos rumos que sua carreira tomaria. Estimulado por uma grande amiga, atriz amadora, Márcio começou a fazer parte de um grupo local e assim permaneceu atuando até 1988, época em que o movimento teatral no interior era bastante intenso. Foi nesse mesmo ano que o ex-bancário, trancou a faculdade de Letras no terceiro ano e já estava de malas prontas para vir a Curitiba prestar o vestibular da faculdade de teatro, antiga PUC e hoje FAP. E então, a partir de 1989, o jovem ator, já apaixonado, nunca mais conseguiu viver sem o famoso “friozinho na barriga”, comum a todos antes de entrar em cena. Formou em Artes Cênicas em 1992.
Como ator, já participou em mais de trinta espetáculos e tem no seu currículo vários nomes de diretores como Enéas Lour, Luthero de Almeida, Edson Bueno, Marcelo Marchioro, Ademar Guerra e Felipe Hirsch, entre outros.
Como diretor, já assinou mais de vinte espetáculos e também trabalhou como diretor de palco em São Paulo de importantes montagens de Felipe Hirsch, como Os solitários, produzida e protagonizada por Marco Nanini e Marieta Severo em 2002. Em Curitiba já revelou vários atores, atrizes e técnicos do teatro local.
Como educador, desde 2003, vem quebrando antigas posturas acadêmicas e se destacando como um dos professores mais comprometidos e admirados pelos alunos da FAP. Márcio diz que sua aptidão com a educação vem dos tempos do antigo ginásio, onde já ministrava aulas particulares para os colegas de turma que apresentavam dificuldades no desempenho curricular. Quanto à admiração dos alunos da faculdade de teatro, acredito que seu talento deve-se principalmente pela competência que tem em dirigir atores e, dessa forma, acertar na metodologia que desenvolveu ao longo de todos os anos da prática teatral.

O artista, o teatro e o público.

O DESPERTAR DA PRIMAVERA, de Frank Wedekind (1998-1999). Direção de Márcio Mattana. fotografia: Roberto Reittenbach (divulgação).



Márcio Mattana vê o teatro que é feito hoje em Curitiba sob dois prismas. O primeiro é sob seu olhar otimista em acreditar que a produção local está em um bom caminho, “anos atrás era muito mais difícil produzir teatro em Curitiba devido à baixa verba destinada aos produtores locais. (...) Ainda não tínhamos os editais de produção e circulação e nem as leis de benefício à cultura, ganhos que dissolveram as panelinhas”, completa. Por outro lado, acredita que o formato atual das leis de incentivo valoriza as produções rápidas e de pouco tempo em cartaz, “porque os atores precisam trabalhar e, portanto, devem estar em pelo menos quatro editais por ano para ganhar um salário mensal”, explica Mattana. Apesar dos devidos ajustes necessários, Márcio Mattana vê os rumos promissores da produção cultural, como, por exemplo, o financiamento da pesquisa de grupo e, por ser um artista politizado, sabe avaliar de forma bastante madura a política cultural do país.
No seu trabalho, tem como principal objetivo o público. É sobretudo com o público que seu trabalho dialoga. Não está interessado em desenvolver nenhum discurso hermético. Quer se comunicar com a platéia. Acredito que sobre esse aspecto quem mais ganha somos nós, artistas e publico. Os artistas porque terão as salas de espetáculo lotadas nos dias de apresentação e o público porque sempre voltará ao teatro.
Nesse sentido é que Márcio Mattana lança seu olhar pessimista sobre uma parcela do teatro que tem sido produzido nos dias de hoje,ou seja, “quando ainda não tínhamos as leis de incentivo, o responsável por setenta por cento dos lucros de uma produção vinha da bilheteria e isso quer dizer que o público ia muito mais ao teatro”, lembra ele. O pessimismo disso tudo é apenas enxergar que existem profissionais produzindo espetáculos descartáveis com o dinheiro público. Márcio é ético, não cita nomes, porém registra a provocação.


Novos Rumos

Para o próximo ano, Mattana já tem pelo menos três projetos fechados. Um deles é a estréia da Companhia de Repertório, companhia teatral que será lançada na cena curitibana com a direção dele para o espetáculo Pessoas comuns não dizem bom dia. Aguardamos ansiosos.
Quando, para encerrar a entrevista, pergunto a ele que se eu fosse um poderoso investidor da cultura e oferecesse a quantia necessária para produzir qualquer espetáculo, quem seriam o autor, o ator e a atriz escolhidos, ele arquitetonicamente, depois de muito pensar, responde: “bem, quanto ao ator e a atriz queria que fossem de Curitiba, então escolheria Fernanda Magnani por ser uma excelente atriz, bastante jovem e ainda desconhecida. Para contracenar com ela, convidaria um ator mais velho e bastante experiente, Luthero de Almeida. Adoraria dirigir esses dois numa adaptação do clássico Solness, O construtor de Ibsen. Mostraria o fim de uma era, através de um grande e experiente ator fazendo um construtor, e o início de outra era pelo trabalho de uma grande, porém jovem atriz interpretando uma aprendiz”.
Salve os escolhidos! Eu com certeza estaria na platéia na noite de estréia.

MODA E ARTE

(Desfile de Ronaldo Fraga)


Um dos elementos que mais me chamam a atenção na campanha de uma marca de roupa é o conceito desenvolvido pelo designer (ou estilista) na criação de uma coleção.



Os mínimos detalhes, tudo, desde a cartela de cores à ambientação de passarela no lançamento da coleção é estrategicamente pensado para que o conceito-tema seja criativamente decodificado pelo consumidor. Ler as entrelinhas da moda é uma aventura bastante prazerosa.



A moda atualmente está intimamente relacionada com diversas linguagens artísticas. Falar de moda é também falar de cinema, de música, de teatro e, sobretudo, de artes visuais. Nesse sentido, podemos considerar cada estação não apenas como um lançamento de coleção, mas como criação e desenvolvimento híbrido de um evento cultural. As artes visuais, sobretudo, estão para a moda assim como o corpo está para a roupa.



O desenvolvimento de um produto está intimamente ligado a atitude de quem vai comprá-lo. Dessa forma, cada look composto para um desfile, cada perfil de uma modelo escolhida, cada trilha sonora, cada cenário criado, tudo, absolutamente tudo deve dialogar com o conceito desenvolvido pela coleção. A linguagem visual da moda nos permite transitar pelos corredores de uma época, de um fato histórico, de uma personagem, de uma personalidade ou até mesmo de uma estória criada pela imaginação de um criador de moda.


RONALDO FRAGA, UM CRIADOR DE MODA.


O estilista mineiro Ronaldo Fraga está no hall dos criadores mais criativos do País. Gosto muito dos conceitos e criações desenvolvidos por ele a cada coleção. Ronaldo soma às criações o conforto das peças e um estilo próprio que transita do mais simples corte a mais elaborada modelagem e composição. Sua estética é também, ao meu ver, bastante teatral.
Sua marca surgiu em 1996 e de lá para cá vem ganhando muitos adeptos e consumidores. Seu universo é composto sempre por muita ousadia, bom humor, cores e texturas que valorizam uma sensualidade inocente que sempre está na contramão das tendências da moda.

Cria os figurinos da banda Pato Fu e da companhia de dança Grupo Corpo, referências nacionais da música e da dança. É dono de duas lojas no Brasil, uma em Belo Horizonte e outra em São Paulo, além de ter sua marca revendida em vários representantes no Brasil e exterior.
É um colorista genial, compõe cores que juntas impõem um discurso provocativo, elemento que está sempre presente nas estórias que nos apresenta a cada lançamento de coleção. A impressão que tenho é que qualquer nova informação, seja ela proveniente de qualquer área, pode ser utilizada por Ronaldo Fraga como um potente material criativo para o seu repertório.
As referências, apresentadas nas suas roupas, sempre são muito diversas das apresentadas na coleção passada. O teatro, a música, as artes visuais e o cinema dialogam harmoniosamente com o seu mercado da moda, sem apresentar soluções fáceis na hora de tornar sua arte em produto. É um comunicador brilhante.

Quem quiser conhecer melhor o trabalho desse talentoso estilista e se aventurar por histórias, que de tão românticas nos fazem esquecer da industrialização que impregnou o mercado da moda desde a segunda década do século vinte, deve fazer uma visita atenta ao seu site: http://www.ronaldofraga.com.br/. É uma deliciosa viagem.

domingo, 7 de setembro de 2008

ARTICULAÇÕES

(Recreio Pingue-pongue - 2008 - foto de Ale Haro)
Tudo o que está em cena produz significado e dessa forma comunica algo. O figurino também não fica fora desse discurso. Cada peça, cada adereço, cada acabamento, cada material que compõe o todo da roupa/figurino está, o tempo todo, revelando algo: uma época, um conceito, uma busca ou a negação disso tudo.A principal preocupação do figurinista na cena contemporânea é saber como lidar com essa constatação e saber o que estará colocando sobre o corpo do ator/bailarino no espaço cênico criado sobre o cenário e sob a luz. Diálogos são estabelecidos. O corpo dialoga com a roupa, que dialoga com o cenário e que juntos dialogam com a luz e, em outra instância, com o tempo. Essa é uma comunicação necessária.O caminho da articulação das imagens instaura uma problemática: tudo é signo. A roupa é signo. A ausência dela também. A cor é signo. A textura. A forma. E tudo isso é posto em movimento através do corpo. Que corpo? Em qual discurso? Em qual linguagem? A estética do espetáculo está em sintonia com a roupa/figurino?Essas e outras constatações, que posteriormente publicarei aqui, são as que movem o processo criativo do meu trabalho, relações que, independente da estética ou linguagem propostas por um espetáculo, estarão sempre presentes na articulação de um figurinista no fazer teatral.

sábado, 6 de setembro de 2008

O CORPO E A ROUPA

(Dress, Issey Miyake, década de 80 - foto arquivo)



O corpo humano é um veículo de significação primordial, nosso principal meio de interação no contexto sociocultural. O corpo é o principal canal de materialização das nossas idéias e o responsável pelas conexões com o mundo habitado, real ou inventado, pois informa e processa uma série de significações.

Nosso corpo biológico é constantemente modificado e transformado pela chamada "segunda pele", ou seja, o traje. Entre várias possibilidades de transformações no corpo (plásticas, tatuagens, implantes, etc.), o vestuário é a forma mais direta e imediata na estruturação de nosso discurso pessoal, entendendo esse discurso como nossa própria comunicação visual.

Há muito, desde a antiguidade até o nosso século, que o traje vem sendo uma ferramenta de remodelação do corpo natural, valorizando-o ou impondo-lhe novos padrões de beleza. Cinturas foram valorizadas, troncos foram alongados, silhuetas foram escondidas em determinados períodos e valorizadas em outros.

O corpo foi sempre articulado pelo traje, codificando culturas diferentes, períodos distintos e mensagens significantes.

NO TEATRO



Olga Nenevê e Eduardo Giacominni em divulgação do espetáculo PASSOS da Obragem - Teatro e Cia


(foto de Elenize Dezgeniski)




Há muito que o teatro deixou de ser somente uma arena apresentando idéias frenéticas para uma elite cultural. O que podemos observar nos nossos dias é que o teatro pode ser tanto um lugar de entretenimento quanto um lugar para reflexão sobre a vida e a arte.
A produção teatral curitibana nos apresenta espetáculos de alto nível, seja em pesquisa, em produção ou simplesmente como diversão. Várias companhias, diretores, atores e produtores vêm apresentando, em propostas diversas, espetáculos com refinamento e acabamento mais que profissionais. E, claro, há também produções que não merecem nossa presença, mas como em tudo na vida há sempre os bons e os péssimos, viramos a página.
O olhar atento e treinado de qualquer espectador que criou o hábito de freqüentar espetáculos pode escolher qual a estética teatral que melhor lhe cabe no final de semana. Existem inúmeras produções locais por preços ótimos, por menos que um ingresso para o cinema, por exemplo.
No teatro contemporâneo, ao contrário do cinema, não procuramos mais uma identificação com os personagens, mas nos comovemos com as opções e soluções que os atores e atrizes nos apresentam a cada espetáculo. O espectador de teatro não busca mais emocionar-se com a história, ou seja, com a dramaturgia, coisa tão comum no cinema e na TV, mas busca ser tocado, via razão ou emoção, com a linguagem cênica proposta.
Quando vou ao teatro, fato que se repete semanalmente e cada vez mais, espero encontrar trabalhos bem feitos que possam, de alguma forma, se comunicar comigo e pronto. Não exijo linguagens, exijo qualidade. No entanto, não está difícil encontrar bons trabalhos em cartaz nas dezenas de espaços oferecidos em Curitiba.
São poucas as ofertas que me fazem desistir da opção de ver um espetáculo antes de sair para jantar nos finais de semana. Sempre vou ao teatro. Entre dramas, comédias, teatro-físico, teatro dança e todas as demais linhas do teatro contemporâneo, acabo sempre enriquecendo meu repertório pessoal e alimentando minha alma com novos rumos para a próxima semana que inevitavelmente virá: trabalhos, reuniões, clientes e todos os demais compromissos dessa nossa vida corrida.
Posso citar e falar sobre vários nomes que vem desenvolvendo um importante trabalho em teatro na nossa cidade e pretendo fazer disso uma prática constante nas próximas edições desta coluna neste jornal. Pretendo fazer das reflexões, críticas, dicas e entrevistas, uma prática constante neste Blog.
Salve o teatro! Salve todos os profissionais e artistas que se dedicam à tão sublime arte da comunicação.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

CORPO, TECNOLOGIA E IDENTIDADE: PRESSUPOSTOS PARA A CRIAÇÃO DO FIGURINO CONTEMPORÂNEO.

(foto - arquivo)


Paulo Vinicius Alves


Este trabalho tem como objetivo principal apresentar uma reflexão, dentre várias outras possíveis, que deve anteceder a criação do figurino na cena contemporânea. Ao me debruçar sobre as artes cênicas, percebo que a cena contemporânea, sobretudo nos trabalhos de teatro e dança-teatro, estabelece muitas vezes a dramaturgia corporal como o seu principal viés de construção artística. Dessa forma, para se falar em figurino contemporâneo devo, primeiramente, falar em outros elementos que devem ser pensados antes da criação da roupa-figurino: o corpo, a tecnologia e a identidade. Tal reflexão foi estimulada pelas leituras das obras Culturas e artes do pós-humano da pesquisadora Lúcia Santaella e de Corpo modificado, corpo livre? de autoria da Kênia Kemp.

O corpo: um suporte em simbiose com a tecnologia



O corpo é o primeiro elemento a ser resgatado na discussão teórica e prática do processo de criação. É ele que vai estabelecer um diálogo efetivo com o figurino. O estudo do corpo contemporâneo é de extrema importância porque é sobre ele que se ergue toda a construção artística. O corpo é o suporte da roupa-figurino e, independente do estilo e formato das criações, sempre a composição (corpo x figurino) estará produzindo signos e significados que serão interpretados pela platéia correspondente, ou seja, como nos define a semiótica, que estuda as linguagens verbais e não verbais de qualquer discurso, tudo o que estará em cena estabelecerá um significado.
Embasado pelos estudos de Lúcia Santaella, posso afirmar que o corpo humano hoje não mais se define independentemente da sua relação com a tecnologia. Posso inclusive definir o corpo humano contemporâneo como uma combinação homem x máquina. Isso se deve pela presença da tecnologia nas mais diversas atuações do corpo, ou seja, desde a utilização de meios tecnológicos pela indústria têxtil na concepção de novos tecidos e materiais utilizados nas roupas, quanto nos procedimentos de modificações corporais estimulados pela tecnologia. O corpo humano hoje está totalmente relacionado com a tecnologia nas mais diversas áreas de atuação, seja na saúde, na estética, no campo intelectual ou na criação artística. Lúcia Santaella estabelece a idéia das múltiplas realidades do corpo, ou seja, enquanto o corpo se relaciona com a tecnologia, ele está sob uma nova realidade, “dada a aceleração das transformações tecnológicas que necessariamente trazem conseqüências para o estatuto e a realidade do corpo humano” (SANTAELLA: 2003, Pág. 200). Dentre todas as realidades que ela apresenta no capítulo 8 de seu livro Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura, destaco duas realidades que serão importantes para essa reflexão: o corpo remodelado e o corpo protético. Segundo Lúcia, ao definir o corpo remodelado, o corpo humano pode ser modificado pela utilização da tecnologia desde as práticas simples como ginásticas e dietas alimentares quanto às práticas mais complexas como as cirurgias plásticas estéticas ou corretivas, ou seja, “trata-se do corpo construído com técnicas de aprimoramento físico” (SANTAELLA: 2004, Pág. 98). A outra realidade possível do corpo, relevante para esta reflexão e para a compreensão da relação do corpo com a tecnologia, é definida por Lúcia como o corpo protético. Como corpo protético, ela nos define todos os corpos alterados pela colocação de próteses, desde as mais simples, como as lentes corretivas para os olhos e as próteses dentárias, quanto as mais complexas, como a implantação de membros artificiais ao organismo e os implantes de órgãos artificiais, isto é, “é o corpo ciborgue, híbrido, corrigido e expandido através de próteses, construções artificiais, como substituto ou amplificação de funções orgânicas” (SANTAELLA: 2004, Pág. 98).
O corpo humano não é mais apenas uma natural combinação de órgãos, glândulas e esqueleto, mas também uma combinação de toda sua natureza com a integração de processos tecnológicos que constituem o corpo biocibernético, isto é, um corpo apresentado por Lúcia como o corpo em simbiose com as mais diversas tecnologias de ponta.
Quanto às idéias de Kênia Kemp, me aproprio de dois conceitos que também se referem à relação do corpo com a tecnologia: as modificações invasivas e as modificações não-invasivas. No seu livro Corpo modificado, corpo livre?, Kênia compartilha da mesma idéia que Lúcia Santaella ao dizer que o corpo contemporâneo pode ser classificado como um ciborg, ou seja, um corpo que sintetiza a combinação do organismo com a máquina. As modificações não-invasivas, segundo ela, são todas e quaisquer alterações pelas quais o corpo passa e que são reversíveis, isto é, modificações corporais pelo uso de roupas, maquiagens, tinturas de cabelo, esmalte para unhas, etc. Tais modificações podem remodelar um corpo temporariamente e sem modificar agressivamente o corpo e “constituem um importante campo de investigação em que podemos perceber o corpo como construção social” (KEMP, Pág. 41). Quanto às modificações invasivas, Kênia cita a prática de tatuagens, a colocação de piercins, alargadores de orelhas, implantes de próteses e cirurgias plásticas no geral. Modificações como essas podem remodelar o corpo muitas vezes de forma irreversível e ou agressiva, porém “o indivíduo consome as inúmeras formas de modificação corporal na expectativa de melhorar sua interação social” (KEMP, Pág. 66).
Essas classificações, tanto as de Lúcia quanto as de Kênia, são de extrema importância para se pensar no corpo do ator/bailarino na cena contemporânea. O corpo, sendo o suporte para a roupa-figurino e não sendo mais um organismo que existe independente da tecnologia, deve ser revisitado como um novo objeto de estudo. Várias novas possibilidades de aproveitamento desse corpo poderão ser exploradas através da roupa-figurino, já que, por um lado, o figurino é “tudo aquilo que cobre o corpo do ator quando ele está em cena”, como define a pesquisadora Amábilis de Jesus na sua dissertação de mestrado Para evitar o “costume”: figurino-dramaturgia. Por outro lado, as modificações que o corpo do ator pode sofrer por conta do figurino são também novas propostas que serão abordadas num segundo momento desta pesquisa. Por enquanto a possibilidade do estudo do corpo e sua relação com a tecnologia é o alvo central da presente reflexão e deverá satisfazer um dos objetivos do presente texto.

A identidade: um veículo de significação das convenções.


A identidade é antes de qualquer coisa um processo. Ela é construída e reconstruída constantemente em relação a vários fatores, tais como influência do meio, história pessoal e condições de escolhas. Nesse aspecto existe uma relevante produção intelectual que discute a relação entre o indivíduo e a sociedade. (KEMP, Pág. 28)
Outro objetivo pertinente a esta fase da pesquisa é a relação desse mesmo corpo, em simbiose com a tecnologia, com as questões referentes à identidade. A linguagem corporal codifica padrões que podemos defini-los como tipos de comportamento. A linguagem do corpo emite significados que são interpretados pelo Outro e, a partir daí, somos enquadrados em padrões ou grupos específicos, o que podemos definir, desde os primórdios das civilizações, como convenções. Posso inclusive remeter a reflexão das linguagens corporais à idéia de persona, ou seja, a máscara social que escolhemos para “atuar” em determinado setor da vida. A idéia de persona também gera a idéia de ator social, ou seja, estamos constantemente representando papéis nas mais diversas áreas do campo social, ocupando “cenários” e contracenando com “coadjuvantes” diferentes. Tais considerações são bastante complexas e podem ser aprofundadas, porém aqui nos cabe apenas o objetivo de entender que o corpo é o mais importante veículo difusor do nosso discurso pessoal e que as mensagens que ele instaura nas relações inter-pessoais o identifica segundo os códigos dessa mesma linguagem.
O “texto” falado pelo corpo nos delata tão intensamente ao ponto de ser determinante e revelador da nossa identidade. Estando o corpo contemporâneo permanentemente obrigado a dialogar com as ferramentas tecnológicas, dessa forma, a própria tecnologia ocupa um lugar de unidade de medida para se definir o padrão social do ser humano. Pensar a tecnologia também é tarefa necessária ao refletir sobre a identidade, pois ela está intensamente presente no corpo dos seres humanos, interna ou externamente, seja nas modificações sofridas pelo corpo humano, como plásticas, próteses, dietas e implantes, ou nas modificações que o corpo sofre pelos elementos descartáveis, também provenientes da tecnologia, como roupas, acessórios e adereços, como mostram as reflexões citadas de Lúcia Santaella e Kênia Kêmp.
Ao corpo do artista, apesar de treinado, também pode-se aplicar a análise comportamental. As escolhas corporais que atores e bailarinos adotam para estabelecer a comunicação, bem como os tipos físicos desses profissionais nos remetem à determinados padrões estéticos, comportamentais, sociais e também psicológicos. Tais padrões estão diretamente definindo signos que vem a construir uma identidade específica. Quando estamos no teatro, assistindo a um espetáculo de teatro ou dança-teatro, observamos que o corpo dos atores/bailarinos “fala” tão alto quanto o texto verbal. A análise dessa linguagem, bem como suas relações com a tecnologia, também nos define signos, diretos ou complexos, que comunicam e se enquadram também em determinada opção artística, ou seja, também identifica a identidade desse discurso.
A cultura do corpo, tão presente desde a passagem do século XX para o XXI, aliada às técnicas de remodelamento corporal, vem se intensificando na atualidade e são características pelas quais também podemos definir certos padrões de comportamento. A subjetividade contemporânea se manifesta no próprio corpo humano e, por isso, estar concentrado nos cuidados com o corpo é hoje um fator característico da sociedade atual.

A roupa/figurino vestindo o corpo contemporâneo.



A partir da constatação de que o corpo do artista passou a ser o próprio objeto da sua arte, imprimindo na dramaturgia do corpo o principal conteúdo do seu discurso, posso afirmar que o figurino na cena contemporânea tornou-se tão necessário quanto o próprio corpo.
A roupa/figurino apresenta significados desde as mais simples referência de época quanto às propostas conceituais mais complexas de leitura. Em todos os casos, o figurino vai estar, indispensavelmente, dialogando com todos os elementos que compõem a cena.
O que observo, na maioria dos trabalhos de teatro e dança da contemporaneidade, é que o que está em cena, mais do que um personagem, é o próprio artista se mostrando e se revelando diante do público. O artista está presente inteiramente no seu discurso, dessa forma, o figurino deverá estabelecer um perfeito diálogo com seu suporte, o corpo, e para que isso seja realmente possível deve-se saber sobre o que vai ser dito, por quem, como e por que. Essa é uma missão importante do figurinista.
È justamente nessa esfera de problematização que as questões sobre o corpo, a tecnologia e a identidade devem preceder a criação de uma roupa/figurino que cobrirá um veículo que há muito deixou de ser meramente explicativo e que passou a ser, sobretudo, provocativo e questionador: a cena contemporânea.





Referências:



KEMP, Kênia. Corpo modificado, corpo livre? São Paulo: Paulus, 2005.
SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação. São Paulo: Paulus, 2004.
SILVA, Amabilis de Jesus. Para evitar o “costume”: figurino-dramaturgia. Dissertação (Mestrado em teatro), Florianópolis: UDESC, 2005.

domingo, 31 de agosto de 2008

O CORPO EM MOVIMENTO: UM LUGAR FÉRTIL DE INVESTIGAÇÃO.

Rudolf Laban (1879 – 1958)


Paulo Vinícius Alves (Faculdade de Artes do Paraná)[1]



O presente trabalho tem como objetivo (re)visitar o Sistema Laban, bem como suas teorias sobre espaço e dinâmicas do movimento, que fornecem às artes cênicas, à dança contemporânea e às pesquisas acadêmicas, um importante lugar de investigação artística, social e simbólica do estudo do movimento e sua aplicação teórica-prática.

Uma Breve contextualização.

Rudolf Laban (1879 – 1958) viveu um período de profundas transformações econômicas e sociais, pois nasceu no império austro-húngaro, hoje Hungria, e esteve presente nas duas guerras mundiais. Durante esse período, Laban pode acompanhar a transição da máquina a vapor para a energia elétrica. Com relação a toda essa movimentação, sobretudo política, sua resposta foi posicionar-se através da arte, ou seja, buscou novas formas e rumos para a expressão artística. Dedicou-se ao teatro e a dança, ao desenho, participou do movimento Dada e esteve em contato com a efervescência cultural de Viena, Paris e Berlim.
O inicio dos seus estudos foi em arquitetura, na cidade de Paris, período no qual se interessou pela relação do movimento humano com o espaço que o circunda. A importância social de Laban se deu principalmente, na Europa, por fundar escolas (em 1915 cria o instituto coreográfico de Zurique, que teve ramificações na Itália e na França) e estabelecer a análise do movimento[2] que, juntamente com seus colaboradores, passou a utilizá-la em todas as áreas da movimentação humana como a ginástica, a terapia, o trabalho operário, o ensino da dança, o teatro e a ópera. Em 1928 publica a obra Kinetographie Laban[3], sua principal contribuição ao mundo da dança, onde os ensinamentos configuram um dos principais sistemas de movimentos utilizados atualmente. Suas teorias sobre o movimento e a coreografia estão entre os principais fundamentos da dança moderna. Em função do autoritarismo nazista, laban foi obrigado a deixar a Alemanha e a começar novamente seus esforços na Inglaterra, onde permaneceu empenhado em divulgar a dança como um processo acessível a todos, (re)direcionando o foco do seu trabalho para a indústria, estudando o tempo e a energia despendida para a realização das tarefas no ambiente de trabalho.
O mestre do movimento dedicou sua vida ao estudo e sistematização da linguagem da dança em seus diversos aspectos da criação, da notação, da apreciação e da educação. Continuou até sua morte realizando suas pesquisas e seus ensinamentos. Entre seus principais discípulos destacam-se Mary Wigman e Sophie Taeuber-Arp.

O corpo cênico.

O movimento está presente nas mais simples ações dos seres humanos, são carregados de sutilezas, intenções conscientes ou inconscientes que podem dizer muito além de um discursso verbal. No âmbito da física, um movimento pode ser considerado como o deslocamento de um corpo no espaço, que acontece durante um tempo e uma velocidade definida. Para a filosofia, o movimento está relacionado ao movimento da alma e, portanto, se refere às emoções e sentimentos. Para Laban o movimento pode ser até um simples pensamento. O movimento é, portanto, mais que um elo de conexão entre as atividades internas do homem e o mundo a sua volta, ou seja, é o próprio homem, seu pensamento e sua existência no mundo. O movimento é, para laban, o principal meio de expressão humana.
Desde o fim da dicotomia corpo e mente, instaurada principalmente pelo cartesianismo, o corpo passou a ser tratado como uma única estrutura. Laban foi um dos primeiros pesquisadores a inserir essa unificação do corpo no pensar e fazer artístico, “pois se insere no rol de grandes estudiosos que nos deixaram legados preciosos, no que concerne a entender o corpo como processo de natureza e cultura juntas” (RENGEL, pág. 5). Para ele, o corpo não podia mais ser compreendido como dividido, isto é, o corpo só poderia ser tratado como a combinação de corpo e mente. O uso do espaço, em Laban, não deve ser entendido apenas como deslocamento, pois ele também “trata de espaço dentro do corpo, bem perto do corpo (como pentear os cabelos) e mais longe” (RENGEL, pág. 13).
A percepção do movimento é extremamente abrangente na concepção de Laban. Ele começou a formular sua teoria a partir da constatação que o movimento é universal, ou seja, tudo em volta está em constante mudança, em formação e decomposição, em união e segmentação, em oscilação e vibração, em ritmo e fluxo. O movimento está em todas as coisas vivas. Mesmo quando as pessoas estão paradas, o movimento permanece dentro delas porque é a manifestação da própria vida.
Um corpo cênico é aquele que deverá criar, com os olhos da platéia, a mágica transformação do tempo e do espaço, ou seja, “traz à tona sem pudores todas as emoções e permite ao público acompanhá-lo como testemunhas de todas as suas ações, quer elas sejam trágicas ou grotescas, momento a momento, transportando-o para o desconhecido território da criação” (MOMMENSOHN, Pág. 105). Um corpo cênico para Laban é, sobretudo, um corpo que possui qualidade de movimento e que se relaciona conscientemente com os seguintes fatores: Espaço, tempo, intensidade e forma. O corpo comunica, expressa, simboliza, significa e esboça. Ao se comunicar com o público, o corpo do ator/bailarino estabelece um diálogo entre o palco e a platéia, portanto a ação teatral é uma concreta e palpável comunicação entre as pessoas.
O primeiro fator do movimento que relacionarei aqui é o espaço. Esse fator se relaciona com “o onde” do movimento e requer atenção ao realizá-lo. O termo “atenção” refere-se ao ambiente onde o movimento se realiza, ou seja, uma atitude interna quanto ao espaço que nos rodeia. Dessa forma, a visão seria o principal responsável pela atenção ao espaço, mas devemos pensar num corpo com olhos espalhados por toda a sua extensão, pois podemos realizar um movimento de qualidade no espaço até com os olhos fechados. Segundo a pesquisadora Lenira Rengel, o espaço é o fator que define as posições de quem sou eu e quem é o outro, portanto “é a comunicação que vem desta noção de si e dos outros. A atitude relacionada com o espaço é a atenção e afeta o foco do movimento” (RENGEL, Pág. 126).
Laban classifica dois focos que se relacionam com o espaço: direto e indireto. Um foco direto ocorre quando o indivíduo tem sua atenção concentrada em um único ponto, canalizada para um único foco, por exemplo, quando falo com alguém e tenho toda minha atenção e meu corpo voltados para essa pessoa, estou agindo sob o domínio de um foco direto. Já o foco indireto se configura numa atenção voltada para diversos focos, ou seja, realizar várias coisas ao mesmo tempo. Um exemplo de foco indireto é alguém cumprimentando outra pessoa e ao mesmo tempo acenando para um grupo de pessoas ao redor enquanto ascende um cigarro. Essa atenção dividida entre vários focos é o que caracteriza principalmente um foco indireto de movimentação, isto é, “não se trata de fazer todas essas coisas uma após outra, o que poderia ser diversos focos diretos sucessivos, mas em realizá-las ao mesmo tempo, com a atenção aberta a tudo” (FERNANDES, PAG. 108). Exercícios sobre esse fator desenvolvem o espaço pessoal e ajuda o ator/bailarino na relação com o mundo a sua volta, dando a necessária atenção para que ocupe expressivamente sua posição nos lugares.
O segundo fator que abordarei é o tempo. Esse fator indica uma variação na velocidade do movimento. É “o quando” do movimento e se relaciona com a intuição e a decisão ao realizá-lo. Um movimento é acelerado quando fica cada vez mais rápido e desacelerado quando fica cada vez mais lento, por isso, “os sistemas endócrino e nervoso são os principais responsáveis por esta qualidade de apressar-se rumo ao futuro (aceleração, urgência), ou prorrogá-lo (desaceleração)” (FERNANDES, pág. 117). Dessa forma, um movimento constante, que não seja nem acelerado ou desacelerado, não possui ênfase no fator tempo. A variação de velocidade é o principal viés de relação com esse fator. A tarefa desse fator está relacionada com a operacionalidade, por isso o treinamento desse fator denota maturidade ao se decidir no tempo, isto é, aprende-se a ter limites mais flexíveis tolerando melhor as frustrações, pois “a atitude relacionada com o tempo é a decisão, e afeta a intuição e a execução do movimento” (RENGEL, Pág, 127).
Uma outra consideração importante, feita por Laban, com relação ao Tempo, foi a distinção entre ritmo métrico e não-métrico. Ele define como métrico o ritmo medido, imposto, ou seja, restringidos a medidas e contagens como acontece na maioria das técnicas de danças. Um ritmo não métrico seria aquele executado em conformidade com o ritmo interno ou biológico, numa medida não imposta, como as pulsações cardíacas, o ritmo respiratório e o fluxo sanguíneo.
O “o que” do movimento é a relação promovida pelo fator peso e deve ser levada em conta a sensação e a intenção ao realizá-lo. Esse fator refere-se a mudanças na força usada pelo corpo ao mover-se, mobilizando seu peso para mover outro corpo ou tocá-lo. Esse fator ajuda a aguçar a percepção corporal de si e dos outros e a distribuir melhor o peso, pois “a atitude relacionada com o peso é a intenção e afeta a sensação e a percepção do movimento” (RENGEL, Pág. 126). O peso distingui-se em leve (como o necessário para se quebrar a casca de um ovo) ou pesado (como o necessário para abrir uma janela emperrada) e são variações do peso ativo, pois o peso pode-se ser dividido em ativo e passivo:

Assim, o peso ativo pode ser leve ou forte, enquanto o peso passivo pode ser fraco ou pesado. Quando o peso está largado, não mobilizado ou ativado no movimento, é passivo. Pegar um botão de rosas aberto ou assinar o nome com uma caneta nanquim pedem o uso do peso (ativo) leve. Com peso (passivo) fraco, a rosa cairia no chão e a letra sairia com falhas. Um soco é um exemplo de um peso (ativo) forte. Um soco com peso (passivo) pesado faria com que o braço caísse passivamente em seu adversário. (FERNANDES, pág. 113)

O peso analisa o movimento em termos da quantidade de força despendida para realizá-lo, ou seja, é a energia do movimento.
A intensidade, ou fluxo, é o quarto fator aqui destacado. É esse o fator referente ao “como” do movimento e está relacionado a emoção e a fluidez ao realizá-lo. É um fator que se refere a tensão muscular para que um movimento seja qualitativamente realizado. Quando essa tensão deixa fluir o movimento, Laban classifica de “fluxo livre” e o contrário, isto é, quando essa tensão restringe o movimento, Laban o classifica como fluxo controlado.

“Não se trata simplesmente de deixar estar relaxado ou tenso, associando livre a uma qualidade boa e controlado a uma qualidade ruim. (...) tanto o fluxo livre quanto o controlado pedem uma tensão muscular, mas é a relação entre esses músculos tensos, ao invés da presença da tensão no corpo, que determina a qualidade do fluxo” (FERNANDES, pág. 105).

Este fator está subliminado aos outros três (Espaço, Tempo e Peso) e, portanto, não possui uma afinidade espacial específica. O grau de fluidez e de intensidade do fator fluxo no movimento é concedido pelos líquidos corporais (sangue, linfa, líquido conectivo, sinuvial, etc.) e pelos órgãos (coração, estômago, intestino, etc.), como esclarece a pesquisadora Ciane Fernandes[4] na sua pesquisa sobre o sistema Laban. Ou, por outro lado, o fator Intensidade, ou fluência, como define Lenira Rengel, existe na ligação dos movimentos para orientá-los em relação a eles mesmos e a outros movimentos:

O elemento fluência auxilia na integração, trata-se de sua tarefa. A integração traz a sensação de unidade corporal. A atitude relacionada a fluência é a precisão do movimento, afeta o sentimento deste. Fluência é a emoção do movimento, ela informa sobre o como deste. Faz gerar atitudes internas oníricas, imaginárias, remotas, móveis, por exemplo. Os movimentos para dentro são mais fáceis de serem experimentados com a fluência controlada, demonstram contenção, retração ao mundo externo, recolhimento em si mesmo. Os movimentos com a fluência libertada são experimentados de maneira contrária aos de fluência controlada” (RENGEL, Pág. 125).

Os fatores do movimento não devem ser entendidos ou aplicados de forma isolada, isto porque eles se relacionam o tempo todo em inúmeros movimentos, portanto, pode-se trabalhar com diversas relações entre eles numa única atividade. Dessa forma, um corpo cênico é, segundo Laban, aquele que, conscientemente, demonstra um alto nível de qualidade nos seus movimentos e que relaciona os fatores acima descritos com maestria e determinação.
Os movimentos de um corpo cênico perdem, às vezes, sua conexão com o impulso primitivo do homem de ação, ao ponto de parecerem oníricos, ou, em outras palavras, “durante o espetáculo, toda a vida cotidiana estará suspensa, presa por tênues fios de fantasia e emoção. Todos, bailarinos, atores e público estarão submersos no mundo das sensações” (MOMMENSOHN, Pág. 105). Para Laban, a distinção entre técnica e emoção não deve ser muito evidenciada, pois ambas ajudam-se mutuamente. No entanto, em qualquer criação existe um processo e é preciso ir avançando aos poucos. Um método adequado ao ator/bailarino deve englobar tanto o individual quanto o coletivo, tanto a teoria quanto a prática e, dessa forma, ser a perfeita combinação entre natureza e técnica.

A apropriação de Laban pelo teatro.

Um ator deve ser preparado e treinado para atuar numa grande variedade de estilos e abordagens cênicas, dessa maneira, o treinamento ocupa um lugar cativo no fazer teatral. Nesse sentido, o sistema/método de Laban pode ser abordado como uma rica fonte de preparação para o ator/bailarino contemporâneo, já que as linguagens de representação comportamental e cênica se reúnem sob a forma do movimento e o discurso do corpo pode ser expresso através da compreensão do movimento e do desenvolvimento das suas qualidades. Essas considerações se consolidam ao considerar que “é inegável que as teorias de Laban sobre espaço e dinâmicas do movimento, bem como seu sistema de notação, vêm fornecendo às artes cênicas (...) uma via relevante e estimulante para explorações sobre a natureza simbólica e linguística do movimento” (FERNANDES, pág. 19). A contribuição de Laban para o teatro se torna cada vez mais intensa ao ser resgatado por inúmeros professores de interpretação, atores e diretores na tentativa de se construir uma experiência que, aliada à pesquisa e a reflexão, faz do seu sistema uma ferramenta valiosa no treinamento corporal do ator, promovendo e multiplicando possibilidades.
Um importante teórico que se debruçou sobre as idéias de Laban no Brasil foi Matteo Bonfitto. Na sua obra O ator compositor[5], Bonfitto apropria-se de Laban para fortalecer suas argumentações sobre a pesquisa das ações físicas:

Do ponto de vista teórico, Laban atuou em três direções: a Coreosofia – estabelecendo princípios filosóficos, de caráter ético e estético; a Coreologia – estudo das leis do movimento; e a Coreografia – estudo das sintaxes completas e de sua transcrição. Tais teorizações eram consideradas por ele, como passíveis de aplicação em diferentes áreas (trabalho, pedagogia, terapia, arte, etc...) e envolvem todas as atividades humanas. Em termos práticos, laban desenvolveu seu trabalho praticamente em sucessão cronológica, em três vertentes principais: a Tanzbuhne; os trabalhos corais; e o Teatro total, além de ter codificado um sistema de notação para a dança, a Kinetografie ou Labonotation. (BONFITTO, pág. 50).

O movimento, em Laban, é, segundo Bonfitto, aquilo que atinge todas as possibilidades das necessidades do homem e que a palavra não é capaz de realizar por si só. Assim, o movimento tem no esforço o seu impulso de geração, ou seja, o esforço está presente em todas as ações humanas (caráter sintético) e também envolve os outros fatores de movimento. O esforço torna-se um importante parâmetro de observação que, além de auxiliar no entendimento do comportamento cotidiano, favorece a criação expressiva e artística, pois “o esforço pode ter diferentes modalidades de existência: enquanto impulso que gera o movimento; e enquanto modalidade resultante das possíveis combinações entre os fatores de movimento” (BONFITTO, pág. 52). Ele nos diz que Laban considera o movimento e, consequentemente, o esforço como componentes da ação, portanto, o esforço seria o que geraria o movimento, ou seja, seu impulso interior e é o elemento que caracteriza o homem individualmente, diferenciando-o dos demais. O esforço é o elemento que gera o movimento “vivo”.
Matteo Bonfitto está interessado nas contribuições que Laban trouxe para o teatro no que diz respeito aos novos elementos para a composição das ações físicas do ator:

Observando as implicações da teoria Labaniana, vemos que a relação entre corpo e espaço se dá em via dupla. Porém, quando evidência o conceito de esforço enquanto produtor de qualidade que diferencias as expressões humanas, concretiza um ulterior deslocamento, sendo este auto-diferencial: o próprio corpo passa, a partir das inúmeras combinações entre os fatores de movimento, juntamente com o espaço, a ser uma matriz geradora de ações. (BONFITTO, pág. 98)

No capítulo onde trata das relações intratextuais, elementos de construção dramatúrgica, Bonfitto resgata as relações que, em Laban, integram as ações físicas e o espaço:

Como vimos em Laban, na relação entre corpo e espaço, o corpo, através da ação física com seus elementos, pode deixar de ser simplesmente um elemento que está contido no espaço; o corpo pode interferir e construir o espaço alterando a sua percepção e a percepção do espectador. A alteração do espaço, dessa forma, muitas vezes é percebida através de uma alteração na qualidade de presença do ator ou atuante (esforço). (BONFITTO, pág. 111)


Um mestre vivo na produção contemporânea universal

Uma teoria que ainda hoje serve de pano de fundo para inúmeras pesquisas e produções teóricas e práticas em todo o mundo tem seu mérito reconhecido por diversas áreas do fazer científico e artístico. Os ensinamentos de Laban continuam sendo estudados e aplicados na contemporaneidade principalmente no treinamento corporal do ator/bailarino. Laban buscou no movimento e na dança um corpo mais expressivo, buscou uma nova relação com o corpo. Tamanha a importância do Sistema Laban no estudo do movimento, tais ensinamentos têm se propagado por diversos países e diversos campos de atuação.
No Brasil, Laban vem sendo discutido e estudado por diversos pesquisadores e artistas na produção contemporânea, “cada um sugere Laban diferente, adaptado a cada contexto em que o seu pensamento, ainda hoje, parece capaz de inventar novos campos de conhecimento” (GREINER, Pág. 82). Como exemplo dessa difusão, cito o Livro Reflexões sobre laban, o mestre do movimento, uma compilação de artigos provenientes dos trabalhos apresentados no encontro Laban de 1996, um evento criado por Maria Mommensohn e realizado no Sesc Consolação em parceria com o Centro Laban no Brasil. Tais artigos apresentam a aplicação do Método Laban na dança, na música, na educação e na pesquisa científica. Dentre os autores selecionados, apresento o resumo de três pesquisadores: Anna Maria Barros, Christine Greiner e Lia Robatto.
Anna Maria Barros é uma artista multimídia, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. No seu artigo A arte da percepção na arte, ela apresenta um resumo da sua tese de doutorado. No seu texto, Anna Maria estuda a vanguarda artística norte-americana que influenciou os artistas contemporâneos e observa como os críticos de arte entendem o movimento que integrava o corpo à obra de arte. Dessa forma, o corpo passava a pertencer à obra quando não se tornava a própria obra e a função do espectador era abolida, pois “o espaço sobrepõe-se à forma, ou melhor, é a relação espacial que tem primazia na indagação de vários artistas. Concomitantemente, processa-se uma mudança no envolvimento do visitante com a obra de arte” (BARROS, Pág. 64). A relação espacial de Laban se aplica à esse processo na medida em que a valorização do espaço, diante da forma e do espaço-tempo, se dá na vivência dessa representação na relação do artista com o espectador.
A professora e pesquisadora Christine Greiner, publica o artigo O próprio corpo: Uma possibilidade de discutir Laban em evolução. Nele, ela apresenta a proposta de Laban ao definir que a dança seria uma estratégia de sobrevivência para o homem que teve seu corpo massificado durante o século XIX ao diluir-se perante as massas. Greiner nos fala que a importância de Laban, dentro desse panorama, foi colocar um novo olhar sobre a abordagem teórica-prática nos estudos sobre o corpo, isto é, “Laban repensa o potencial de análise dos movimentos do corpo baseando-se em composições espaciais que passeiam por circuitos internos e externos, trabalhando conceitos de espaço, energia, peso e as relações entre esses elementos na dança” (GREINER, Pág. 80). No seu texto, Christine Greiner exemplifica o uso da Labanotion[6] com diferentes objetivos em alguns países.
Da coreógrafa e pesquisadora Lia Robatto foi publicado o texto Dança em processo: A linguagem do indizível, pesquisa onde discorre sobre como é possível para o coreógrafo contemporâneo conscientizar-se das estruturas básicas da composição da partitura coreográfica. Nos seus estudos, Lia estabelece quais são os elementos da dança e suas reais funções. Os elementos destacados, provenientes das leituras de Laban, são o movimento (meio de expressão que representa uma idéia, imagem ou sentimento), o espaço (elemento concreto onde é determinada a dinâmica da dança), o tempo (a velocidade, a duração e a distância do movimento no percurso), a dinâmica (grau de intensidade empregado no movimento) e a forma (desenhos que o corpo estabelece com seus movimentos, simbólicos ou abstratos, criando uma coreografia). Para ela, a dança representa o extracotidiano por meio de estados alterados da consciência em um discurso não verbal, portanto universal. A dança sintetiza mensagens, expressando-se através do corpo, o principal depositário de uma vivência. Na contemporaneidade, “cada uma das manifestações artísticas é caracterizada pela especificidade da sua linguagem. As soluções estéticas resultam da combinação de muitos fatores que atuam no universo da concepção de cada artista criador” (ROBATTO, Pág. 132).
Entre vários outros artigos, podemos verificar aspectos históricos e biográficos de Laban, pesquisas sobre o corpo com suas relações e textos sobre a dança e o método Laban. Diante dos vários artigos reunidos nessa estimulante coletânea, vale aqui apenas a tentativa de mostrar quão rica, inspiradora e aplicável é a teoria que Laban estruturou sobre nosso principal veículo de comunicação e suporte de todas as experiências vividas no espaço-tempo: o corpo.

Referências:

- RENGEL, Lenira. Os temas de Movimento de Rudolf Laban, in: Cadernos de Corpo e Dança. Editora Annablume: São Paulo, 2006.
- FERNANDES, Ciane. O corpo em movimento: O sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas. Editora Annablume: São Paulo, 2002.
- BONFITTO, Matteo. O ator compositor. Editora perspectiva: São Paulo, 2006.
- MOMMENSOHN, Maria. Corpo trans-lúcido: Uma reflexão sobre a história do corpo em cena. In: Reflexões sobre Laban, o mestre dos movimentos. Summus Editorial: são Paulo, 2006.
- RENGEL, Lenira. Fundamentos para a análise do movimento expressivo. In: Reflexões sobre Laban, o mestre dos movimentos. Summus Editorial: são Paulo, 2006.
- BARROS, Anna Maria. A arte da percepção na arte. In: Reflexões sobre Laban, o mestre dos movimentos. Summus Editorial: são Paulo, 2006.
- GREINER, Christine. O Próprio Corpo: Uma possibilidade de discutir Laban em evolução. In: Reflexões sobre Laban, o mestre dos movimentos. Summus Editorial: são Paulo, 2006.
- ROBATTO, Lia. Dança em processo: A linguagem do indizível. In: Reflexões sobre Laban, o mestre dos movimentos. Summus Editorial: são Paulo, 2006.

Notas:

[1] - Texto produzido para a disciplina Expressão corporal I – ministrada pela Profa. Cristiane Souza para os alunos de 1º. Ano do Bacharelado em Artes Cênicas da Faculdade de Artes do Paraná.
[2] - O processo de Laban foi dividido em três partes: A Eucinética (o estudo das dinâmicas), a Corêutica (o estudo das formas espaciais) e a Kinetografie (a escrita do movimento).
[3] - O sistema de escrita de dança estruturado por Laban. Também conhecido como Labanotation.
[4] (FERNANDES, pág. 106)
[5] Nessa obra, Matteo Bonfitto - pesquisador teatral e professor do Departamento de Artes Cênicas da Unicamp – propõe um ator que busque a interculturalidade na linguagem teatral pela integração de técnicas que rompem com a separação do teatro e as outras artes, principalmente com a dança.
[6] Labanotation – Sistema de notação coreográfica criado por Laban.

O ESTUDO DO CORPO BIOCIBERNÉTICO E SUA RELAÇÃO COM A ROUPA/FIGURINO

Prótese mecânica

Paulo Vinícius Alves (Faculdade de Artes do Paraná)[1]

Esta pesquisa tem como objetivo apresentar uma revisão do estudo do corpo biocibernético, a partir das reflexões de Lúcia Santaella, para, num segundo momento, estabelecer um diálogo com as questões da subjetividade contemporânea, tendo como foco a roupa/figurino. Tais reflexões servirão para pensar a cena teatral, de dança e dança-teatro, que tem na dramaturgia corporal o seu principal estopim. Sendo assim, é importante analisar os estímulos e interferências que a roupa/figurino pode causar no corpo, se colocando junto ao processo de criação da cena.
As literaturas mais recentes, sobretudo nas áreas de antropologia, comunicação e sociologia, apontam que quando se pensa em subjetividade subtende-se, na atualidade, pensar no corpo. O rompimento com a dicotomia corpo-mente permite o entendimento de que a subjetividade se manifesta no corpo, ou ainda, é o próprio corpo. No entanto, os corpos modificados pela tecnologia, apresentando novas configurações, tornam-se híbridos, causando convivência entre o natural e o artificial.
É também através do corpo humano que se constrói as ligações e criações com cada área específica das artes. Quando estendermos essa discussão para a questão do figurino, é importante deixar claro o conceito adotado: “O figurino é tudo aquilo que cobre o corpo do ator enquanto este está em cena” (SILVA, 2005: 18). Por isso, a discussão do figurino se juntará às discussões relacionadas ao corpo.


O corpo pós-humano: um corpo em simbiose

O início do século XXI foi marcado pela presença efetiva da tecnologia nas mais diversas expressões artísticas. Por sua vez, o corpo do artista, a ferramenta pela qual se efetiva sua expressão, está totalmente inserido nessas atuais relações e visões da arte contemporânea.
No capítulo oito do seu livro “Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura”, Lúcia Santaella nos apresenta algumas definições e classificações do que ela chama de as múltiplas realidades do corpo. Segundo a autora, um corpo biocibernético seria, então, o que hoje pode-se chamar de um corpo que está sujeito às aplicações das novas tecnologias existentes, seja no que diz respeito às questões estéticas, médicas, artísticas ou filosóficas. Dessa forma, o corpo biocibernético pode ser identificado com um corpo que está inteiramente relacionado à combinação homem/máquina. O corpo cibernético sintetiza o corpo que sofreu uma série de mudanças físicas, mentais, sensoriais e cognitivas. Segundo artistas, cientistas, filósofos e demais teóricos envolvidos nos estudos da ciência cognitiva e da inteligência artificial, o corpo humano está passando por profundas transformações principalmente no que diz respeito às aplicações da tecnologia nas mais simples áreas do viver cotidiano dos seres humanos do século XXI.
Diante dessa realidade é importante pensar que existem outras formas de visão do mundo quando se trata de ambientes de realidade virtual ou de vida artificial que estão localizados nessa nova realidade. O corpo que vive nessa nova realidade faz parte de um sistema complexo, com todo seu conjunto de órgãos e células em estados de simbiose com um ecossistema artificial.
Santaella diz que “são muitas as possibilidades que têm surgido de descorporificação, recorporificação e novas expansões não-carnais da mente” (SANTAELLA 2004: 200). As transformações tecnológicas que alteram a realidade do corpo humano, são denominadas por Santaella de múltiplas realidades do corpo. A autora faz uma classificação que considero relevante para a presente pesquisa: o corpo remodelado, o corpo protético, o corpo esquadrinhado, o corpo plugado, o corpo simulado, o corpo digitalizado e o corpo molecular.
O corpo remodelado é o corpo alterado por fatores externos, desde dietas e ginásticas até implantes e cirurgias plásticas. Cabe aqui toda forma de alteração do corpo via processos relativos da tecnologia. Dessa forma, esse corpo transformado, pode ser visto como mercadoria na medida em que sua identidade foi alterada e o critério para se justificar essas mudanças é, muitas vezes, o fator estético.
Sobre o corpo protético, a autora considera o corpo corrigido ou ampliado pela colocação de próteses que vão desde as dentárias ou lentes corretivas para os olhos até implantes de órgãos artificiais. Com relação à esse corpo específico pode-se chamá-lo de híbrido pela discussão daquilo que é tido como natural e artificial. O corpo natural passa a integrar no seu sistema determinada prótese que vem para substituir as faltas que o corpo real apresenta. Entendendo-se por prótese tudo aquilo que é artificial e que foi acoplado no corpo vivo.
Já o corpo esquadrinhado é o corpo sob a vigília de um aparato tecnológico, ou seja, quando um corpo está sendo submetido a exames por aparelhos médicos especiais como no caso das ultra-sonografias , tomografia e ressonâncias magnéticas. O corpo só se realiza como corpo monitorado durante o tempo em que se relaciona e interage com os equipamentos tecnológicos.
O corpo imerso no ciberespaço através da conexão de um computador para entrar em contato com a realidade virtual, é compreendido por Santaella como corpo plugado. Para a autora, um dos níveis se dá pela imersão através de avatares, com o uso de máscaras, por exemplo, que revestem o corpo real para introduzi-lo à realidade virtual, gerando a idéia de persona virtual. Um exemplo atual desse estágio é o Secund Life, um site que promove a existência de um mundo virtual oferecido pela internet onde cada participante escolhe sua persona, ou seja, as características físicas, sociais e psicológicas que quer assumir. Trata-se de um misto de jogo e site de relacionamento, uma “segunda vida”. Outros exemplos de corpo plugado são as imersões por conexão, imersões híbridas, telepresenças e os ambientes virtuais.
Corpo simulado seria uma versão tridimensional do corpo real, construída por algoritmos e tiras de números, ou seja, um corpo totalmente desencarnado. A atual realidade virtual, segundo Santaella, pode simular qualquer coisa desde o sistema hormonal até os rumores do corpo. A existência desse corpo ainda não é inteiramente possível, mas já passível de estudos. Sua materialização se daria enquanto o corpo carnal estivesse plugado, e uma versão tridimensional e virtual desse corpo seria teletransportada para um outro lugar.
Existente já nos processos dos estudos da National Library of Medicine dos USA, o corpo digitalizado é uma representação tridimensional completa e anatomicamente detalhada de um corpo humano, seja homem ou mulher. Primeiramente escaneado por ressonância magnética, depois duplicado numa matriz, posteriormente fatiado, fotografado e catalogado, convertendo-se em arquivo visual digital.
Por último, a autora apresenta o corpo molecular como realidade possível. Trata-se do corpo geneticamente catalogado através do DNA, e depois da descoberta do Genoma esse corpo pode ser levado, em última instância, até a clonagem do corpo humano.

Corpo-subjetividade e corpo-arte


A Subjetividade na atualidade passa por uma crise de ordem conceitual. Para Santaella, o descarnamento da subjetividade promovido pelas atuais tecnologias desestabilizou o processo de construção contínuo da subjetividade que se inaugurou desde Freud. O sujeito está sob interrogação já que o resultado disso tudo é profundamente perturbador.
Paralelamente à essa novas realidades causadas pelo desenvolvimento das tecnologias, pode-se dizer, movidos pelas considerações de Santaella, que esse mesmo corpo humano, que agora se vê híbrido por quase não se constituir mais sem a integração com as tecnologias, desde as mais remotas representações visuais sempre serviu de suporte para a realização da arte.
Mas, conforme esclarece a autora, é a partir do século XX que o corpo do artista ganha novo status: “o corpo do artista passou a ser o sujeito e o objeto do seu trabalho” (SANTAELLA, 2004: 251). Diversas manifestações artísticas, no decorrer da história, apresentaram o corpo como um elemento primordial na construção artística. O corpo passou a ser visto como o suporte, o meio e o próprio fim da arte.
Contudo, nos anos noventa o corpo é abordado, assim como a subjetividade, como “tecnogisados, especificamente inaturais, fundamentalmente infixáveis na sua identidade ou significado subjetivo/objetivo no mundo” (SANTAELLA, 2004: 270). Isto acarreta mudanças na formas de compreensão da arte, estabelecendo-se novos paradigmas.
A relação do corpo com a tecnologia, característica desta passagem do século XX para o século XXI, interferindo nas questões de subjetividade, aos poucos impôs uma redefinição: “pós-humano”. Pensar o corpo na arte, atualmente, significa levar em conta sua simbiose com as tecnologias, formulando uma discussão que vai além da relação do artista com seu corpo, abrangendo também as relações de espaços e, principalmente, as mediações que se estabelecem nas próprias percepções do corpo, intervindo no sentir.

A relação do Corpo Biocibernético com a Roupa/figurino


Podendo ser entendida como uma máscara pessoal, no dia-a-dia, pois pode esconder ou salientar o corpo, descrever a personalidade e o estilo de quem a usa, a roupa já foi objeto de estudos de muitos autores de diversas áreas do conhecimento. Em “Psicologia do vestir”, Umberto Eco, Renato Sigurtá e Gillo Dorfles, só para citar alguns, já na década de 1970 apontavam a importância da roupa como meio de comunicação.
Quando a roupa é levada ao palco, tornando-se figurino potencializa ainda mais sua capacidade de expressão. Um figurino, então, possui significados intrínsecos que, em cena, podem contribuir acrescentando dados ao espetáculo, ou, ao contrário, colocar em risco a idéia geral da encenação.
Para a semiótica, que estuda as linguagens verbais e não-verbais, tudo o que produz significados estabelece uma comunicação entre os seres humanos, sendo assim, não depende-se somente do texto verbal para se passar uma mensagem, pois a linguagem também está contida nos mais diversos recursos usados na linguagem teatral. Neste sentido, o figurino pode assumir papéis tão importantes quanto o papel assumido pelo ator ou pelos demais elementos. A capacidade de comunicação visual é um dado já aceito há tempos, assim como é de grande valia para o teatro.
Porém, o figurino, na grande maioria das vezes, assume o papel de indicador das subjetividades do personagem, através da apresentação de dados como: idade, sexo, status e outros.
Na medida em que se constatam as modificações encontradas no corpo humano, cada vez mais comuns, e muitas delas sendo feitas através da roupa, é importante repensar a forma de criação dos figurinos para a cena. Santaella se refere a vários artistas que já incluíram em seus processos de criação questões que possam dialogar com a idéia de corpo biocibernético, trazendo novos meios de comunicação.
Sobre a utilização do figurino como forma de expressão, como indicação das transformações ocorridas no corpo, como materialização da subjetividade e introduzido no processo de criação da cena, cito as experiências ocorridas no ano de 2006, na Faculdade de Artes do Paraná, nos cursos de Interpretação e Direção. Partindo da idéia de processo colaborativo, o Prof. Ms. Giancarlo Martins e a Profa. Ms. Amabilis de Jesus propuseram uma atividade em conjunto, unindo as disciplinas de Composição Coreográfica I e Indumentária, com a intenção de gerar uma vivência das possibilidades oferecidas pelo figurino no contato com o corpo. Inicialmente, os estudos dirigiam-se às pesquisas que tratam da dramaturgia corporal. Depois, diante da constatação da relação profunda entre o corpo e o figurino, as propostas foram delineando-se até chegar no figurino como modificador do corpo, ou extensão do corpo. Com o andamento da proposta passou-se a discutir as relações do corpo com o figurino, entendo que nesta situação o figurino oferecia outras oportunidades de percepções para o corpo. Também, buscava-se o corpo em estado de presentificação. Ou seja, as reações do corpo a partir das sensações causadas pelo figurino eram levadas em consideração, entendendo-as como ações. O uso dos materiais foi bastante diversificado e gerou um diálogo com os estudos do corpo biocibernético, uma vez que pôs em contato o corpo natural com a artificialidade dos materiais, misturando orgânico e inorgânico.
Enfim, os estudos do corpo biocibenético parecem ser uma tendência cada vez mais aproximada da prática teatral, da dança e da dança-teatro. Estes estudos trazem novos procedimentos e novas formas de percepção da arte e do mundo.


Referências Bibliográficas

ECO, Umberto (et al). Psicologia do vestir. Trad. José Colaço. Lisboa: Assírio e Alvim,
1989.
SANTAELLA L. Culturas e artes do pós-humano: Da Cultura das mídias à cibercultura.
São Paulo: Paulus, 2004.
SANTAELLA L. O que é semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1983.
SILVA, Amabilis de Jesus. Para evitar o “costume”: figurino-dramaturgia. Dissertação
(Mestrado em Teatro). Florianópolis: Udesc, 2005.


[1] O presente artigo é parte do meu processo de pesquisa no Programa de Iniciação Científica Voluntária em Artes Cênicas da FAP, sob orientação da Profa. Ms. Amabilis de Jesus da Silva.