domingo, 13 de junho de 2010

O FIGURINO NO TEATRO CONTEMPORÂNEO

Por ser um importante elemento da linguagem visual do espetáculo, o figurino é muito mais do que a segunda pele do ator ou o identificador da personagem. É signo, comunicação, uma das várias linguagens do espetáculo que, juntas, compõem o que poderíamos chamar de linguagem cênica, estética ou poética teatral, segundo as características de cada processo ou de cada encenação.
Para cada processo, cada espetáculo, cada diretor, há uma forma mais adequada de criação e desenvolvimento do figurino. Este texto tem como objetivo pensar as possibilidades da criação e execução do figurino para as necessidades do teatro. É a partir delas que normalmente se dá o meu trabalho como figurinista.
Dentre todos os caminhos, cito cinco formas que identifico como possíveis para a cena contemporânea:
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(Cena do espetáculo ABSTRATOS - 2008)
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A RECONSTRUÇÃO
Esse processo se dá quando o espetáculo é ambientado numa época definida e tem como objetivo reconstruir fielmente as características desse período.
Aqui, meu trabalho consiste primeiramente numa pesquisa aprofundada da época, bem como o estudo do período e da moda. A partir dessa primeira fase, o figurino passa a ser criado e confeccionado segundo as características e necessidades das personagens, texto e cenas referentes.
O processo de reconstrução na criação do figurino se caracteriza como um mergulho no tempo especificado, espaço estabelecido e no interior das personagens após longas conversas com o diretor, atores e demais profissionais envolvidos na criação e construção do espetáculo.
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(Cena do espetáculo ONÍRIKUS - 2007)
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A CRIAÇÃO
São inúmeras as possibilidades de criação no figurino teatral. Normalmente esse processo se dá quando sou chamado para desenvolver o figurino de um espetáculo cuja linguagem cênica é desenvolvida pelo próprio encenador. Os croquis são desenvolvidos a partir de temas, textos, conceitos, espaços e qualquer outro estímulo ou ponto de partida. Nesse caso a criação do figurino pode acontecer sem nenhuma exigência rígida por parte do texto, diretor ou produtor. Tudo está aberto para novas possibilidades que venham adequar o figurino ao conjunto do espetáculo.

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(Cena do espetáculo RECREIO PINGUE PONGUE - 2008)
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A COMPOSIÇÃO
Compor um figurino pode ser executá-lo a partir de peças compradas prontas ou sobre peças do próprio guarda roupa do grupo ou companhia.
Os principais elementos que levo em consideração nesse trabalho é a composição de cores, estilos e formas que estarão em cena sobre o cenário e sob a luz.
Um figurino é desenvolvido por esse processo por motivos práticos como o tempo curto de trabalho, o orçamento limitado da produção, a ausência de mão de obra especializada ou talvez por melhores resultados quanto à fidelidade da criação.
Apesar de aparentemente parecer simples, compor um figurino pode ser um processo muito mais complicado e dispendioso que qualquer liberdade de criação pode proporcionar. A composição oferece excelentes resultados apenas quando estiver associada a uma profunda capacidade estética de acabamento e criatividade para as soluções do figurinista. É também uma arte.
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(Cena do espetáculo MANSON SUPERSTAR - 2009)
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A COLABORAÇÃO
Nesse processo eu acompanho toda a criação e o desenvolvimento do espetáculo, estou presente nos ensaios. O diálogo com a equipe é peça fundamental para o desenvolvimento do figurino colaborativo, pois ele será criado segundo as necessidades de cada ator somadas aos interesses do grupo e ao conceito trabalhado.
O figurinista, envolvido integralmente com o projeto, se preocupa não apenas em vestir a personagem, mas o ator.
Cada linguagem exige uma roupa específica que deverá ser experimentada, substituída e evoluída. Aqui o figurino não é nunca imposto por mim, mas criado com a participação do elenco, diretor e de toda a equipe.

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(Cena da gravação do vídeo clipe ELES ME QUEREM ASSIM - 2007)
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A ESTIMULAÇÃO
Chamo de estimulação a forma onde o figurino é criado anteriormente a qualquer outro elemento prático do espetáculo. Este processo destina-se aos espetáculos de teatro ou dança contemporâneos que têm no corpo a principal ferramenta do seu discurso.
Neste processo, o figurinista é peça fundamental para a concepção e o desenvolvimento do texto, da cena e, numa proporção maior, do espetáculo. O figurinista estaria também ocupando outros lugares que em outro processo seriam apenas ocupados pelo autor e pelo diretor, o que não elimina a existência dessas funções, apenas os trabalhos dos três artistas são desenvolvidos horizontalmente.
O figurino é o que estimulará a dramaturgia corporal do espetáculo. É sobre a influência que o figurino exerce no corpo do ator que o “texto” será desenvolvido. Neste processo o ator se entrega às criações do figurinista que, por sua vez, estará valorizando, facilitando e estimulando o trabalho do ator.
O fato de ser também ator e conhecer as possibilidades e necessidades desse ofício facilita imensamente meu trabalho como figurinista, principalmente num processo como este.
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Enfim, muitas são as possibilidades de diálogo do figurino com o teatro contemporâneo e foi-se o tempo em que o figurinista era apenas o responsável por pensar esteticamente a indumentária do espetáculo.
Podemos pensar também a relação do figurinista com outros elementos de uma produção cênica e muitos outros assuntos se dobrarão a partir daí, como o tempo necessário para a criação e o desenvolvimento do figurino, por exemplo, mas sobre estes outros temas eu escreverei em futuras postagens aqui no Blog. Por enquanto é só. Espero ter sido útil.
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Um grande abraço a todos!



segunda-feira, 7 de junho de 2010

Homenagem a Waldo Léon

Estava em São Paulo no último final de semana e foi com muita tristeza que recebi por e-mail a notícia do falecimento do grande artista Waldo Léon. Sempre fui muito fã do seu trabalho, nós trabalharíamos juntos pela primeira vez no espetáculo ELIZAVETA BAM, no último mês de Abril, quando soubemos que ele precisaria se afastar da equipe para tratar de um câncer. Infelizmente não pude ter a satisfação de dividir com ele a criação de um espetáculo. Porém, no final de 2009 ele, atenciosamente, aceitou meu convite para participar de uma postagem sobre a iluminação na cena teatral curitibana aqui no blog. Sua participação me deixou imensamente feliz. Agora, em sua homenagem, eu publico novamente o texto escrito por ele, que naquela ocasião veio acompanhado do depoimento de outros grandes iluminadores. O teatro curitibano perde um grande criador, mas o céu ganha novo brilho com a luz de Waldo Léon.



WALDO LÉON
"Há mais de 20 anos comprei minha primeira máquina fotográfica. Na década de 90 me especializei em fotojornalismo; trabalhei para vários jornais de Montevidéu e para a UNICEF. Neste tipo de fotografia a luz é um fator importante, como a composição, o momento decisivo, mas não é uma iluminação controlada. O documento fotográfico mais puro é aquele que reúne esses fatores em uma tomada única. No ano de 1992 alguns amigos de teatro me pediram para fazer umas fotos de divulgação; foi o início de uma relação que dura até hoje. Controlar a luz para a fotografia e para o teatro é uma idéia que vem de longe. Pintores como Rembrandt e Caravaggio regulavam as janelas de seus ateliês para controlar a entrada da luz do sol. Com o tempo deixei o fotojornalismo e passei a me dedicar ao teatro. Quando assisto aos ensaios das peças, chego desprovido de idéias, de conceitos e preconceitos Sou um iluminador lento. Preciso escutar várias vezes o texto, a música, ou ver várias vezes uma coreografia, para chegar à mesma pergunta de sempre: o que me agradaria ver neste instante? Esta pergunta leva todos os conceitos técnicos da fotografia; composição, ritmo, destaques, figuras, momentos únicos, fundo, clima, ambiente, época. Fotografias que no geral duram uma cena, uma coreografia, uma frase, uma palavra ou um gesto. Depois de imaginar essa possível fotografia, busco nos recursos técnicos disponíveis os elementos necessários. Não me sujeito a nenhuma regra, podendo ser uma vela, a luz da rua em uma janela ou ainda o mais sofisticado dos aparelhos robotizados, o objetivo é o mesmo, estar em sintonia visual com o que acontece na cena. Complementar, colaborar com o espectador a sentir o que quer transmitir o ator, a bailarina ou o músico. A luz é a influência mais importante em nossa percepção visual do mundo; vemos muito mais do que podemos tocar ou cheirar. Iluminar espetáculos é uma tarefa que requer concentração e paciência. Assistir aos ensaios possibilita exercitar a imaginação e discutir possibilidades estéticas.As novas ferramentas virtuais acabaram por derrocar a tirania dos iluminadores. A iluminação nos espetáculos era até pouco tempo a única coisa que não se podia mostrar antes de executada. Hoje, todos os integrantes do grupo tem a possibilidade de vê-la simulada, enriquecendo e afirmando suas idéias. Não tenho regras para iluminar; uma iluminação de balé pode ficar fantástica em uma peça de teatro, e uma luz de cinema pode ser impactante em um monólogo. Entre as milhares de opções que se apresentam não pode haver apenas uma única forma de iluminar. Dificilmente um espectador se lembra de uma frase de uma peça que assistiu, mas é provável que se lembre de uma imagem. Minha tarefa é realizar essa imagem dentro de qualquer espetáculo. Faço iluminação em todo tipo de cenários, circulares, italianos, também nas ruas, nas tendas de circo, em prédios desativados, em estações de trem, museus, todo tipo de espetáculo, teatro, música, circo, balé, ópera, dança. Em todos me guio pelo instinto da excelência da imagem.Algumas fotos de meus trabalhos podem ser vistas em: http://waldocesarleon.blogspot.com/ "